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LET’S CELEBRATE THE QUEEN

Controversa, subestimada e muito, muito necessária. Madonna chega aos 60 e, como já adianto, esse artigo não vem tratar de mais um passeio pelo vasto currículo da cantora, sua extensa lista de premiações ou quantas vezes ela esteve nos charts nas últimas quatro décadas. Hoje, celebraremos aquele que é talvez o grande fator delimitador na carreira um artista: as impressões que ele deixa na história de seu público.

Me lembro de, na minha infância, assistir a clipes como Don’t Tell Me e ficar sem entender o porquê de Madonna ser tão celebrada em um mundo onde existia o iminente fenômeno Britney (minha artista preferida naquela época), coisa que fui saber alguns aninhos depois com horas estudando o seu catálogo que, diga-se passagem, perpassa/flerta/disseca qualquer gênero artístico (e sem fronteira alguma).

Quem viveu de 84 pra frente muito ouviu falar nesse nome, provavelmente com alguma história pra contar. Seja amando, odiando ou apenas considerando sem muito compreender, o que ninguém conseguia fazer era ignorar Madonna. Nada mal para quem chegou em Nova York aos 19 anos com U$35 no bolso e sem lugar pra morar, não é mesmo?

De lá pra cá, a cantora acumulou para si um patrimônio DAQUELES e valores intangíveis ainda maiores em todo e qualquer campo. Moda, música, dramaturgia, literatura, comportamento, política, religião… ufa! Não dá pra enumerar. Madonna atirou para todos os lados e mostrou que em qualquer espaço existia um lugar de protagonismo para as mulheres. Esse é, para mim, o grande barato dela: ela não se conforma com o conforto do que já conquistara – Madonna sempre quer mais.

Com coragem, combateu o sexismo, a misoginia e qualquer outro tipo de preconceito. Mostrou do jeito mais prático que tá tudo certo em discordar da maioria, usar seu corpo para saciar as próprias vontades e fazer qualquer coisa pelo simples fato daquilo ser o que você quer. Pavimentou o caminho das tantas popstarsque vieram depois, manteve sua relevância no mercado e é, até hoje, um representativo fiel das classes marginalizadas. Tudo isso envelhecendo com muita dignidade e várias dezenas de hits na boca do povo.

Enquanto escrevo, cantarolo inconscientemente alguns desses hits e ainda me pergunto: o que Madonna vai fazer depois? Mal posso esperar! Eu não sei de fato se estamos falando da melhor intérprete de sua geração, ou uma atriz com técnicas impecáveis, na verdade nem me importa. O que eu sei é que Madonna vai muito além, vai aonde ninguém foi. Ela é um conjunto muito harmônico de disciplina, pesquisa e personalidade, e o tamanho da sua entrega em todos esses anos não faria dela menos que a maior artista de todos os tempos. Tudo bem se você não gosta, se a vida ou a obra não te instigam, mas uma história dessas, meus amigos… a gente precisa respeitar. E se ainda não for o bastante, arrisco mostrar um trechinho de seu discurso ao receber o Billboard Women Of The Year, em 2016:

“As pessoas estavam morrendo de AIDS em todos os lugares. Não era seguro ser gay, não era legal ser associada à comunidade gay. Era 1979 e Nova York era um lugar muito assustador. No meu primeiro ano [na cidade] eu fiquei sob a mira de uma arma de fogo, fui estuprada num terraço com uma faca na minha garganta e eu tive meu apartamento invadido e roubado tantas vezes que eu parei de trancar as portas. Com o passar do tempo, perdi para a AIDS ou para as drogas ou para as armas quase todos os amigos que tinha. Como vocês podem imaginar, todos esses acontecidos inesperados não apenas ajudaram a me tornar a mulher ousada que está aqui, mas também me lembraram que sou vulnerável, e que na vida não há segurança verdadeira exceto sua auto-confiança.

Eu me inspirei, é claro, em Debbie Harry e Chrissie Hynde e Aretha Franklin, mas meu muso verdadeiro era David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não haja como se você tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma puta, mas não assuma e se orgulhe da puta em você. E não, eu repito, não compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens querem que você seja, e mais importante, seja alguém com quem as mulheres se sintam confortáveis por você estar perto de outros homens. E por fim, não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e definitivamente não tocará nas rádios.

Por um tempo eu não fui considerada uma ameaça. Anos depois, divorciada e solteira, fiz meu álbum ‘Erotica’ e meu livro ‘Sex’ foi lançado. Eu me lembro de ser a manchete de cada jornal e revista. Tudo que eu lia sobre mim era ruim. Eu era chamada de vagabunda e de bruxa. Uma das manchetes me comparava ao demônio. Eu disse ‘Espera aí, o Prince não está correndo por aí usando meia-calça, salto alto, batom e mostrando a bunda?’ Sim, ele estava. Mas ele era um homem. Essa foi a primeira vez que eu realmente entendi que mulheres não têm a mesma liberdade dos homens.

Eu me lembro de desejar ter uma mulher para me apoiar. Camille Paglia, a famosa escritora feminista, disse que eu fiz as mulheres retrocederem ao me objetificar sexualmente. Então eu pensei, ‘Se você é uma feminista, você não tem sexualidade, você a nega’. E eu disse ‘F*da-se. Eu sou um tipo diferente de feminista. Sou uma feminista má’.

Mas na verdade eu acho que a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar aqui. Michael [Jackson] se foi. Tupac se foi. Prince se foi. Whitney [Houston] se foi. Amy Winehouse se foi. David Bowie se foi. Mas eu continuo aqui. Eu sou uma das sortudas e todo dia eu agradeço por isso. O que eu gostaria de dizer para todas as mulheres que estão aqui hoje é: Mulheres têm sido oprimidas por tanto tempo que elas acreditam no que os homens falam sobre elas. Elas acreditam que elas precisam apoiar um homem. E há alguns homens bons e dignos de serem apoiados, mas não por serem homens, mas porque eles valem a pena. Como mulheres, nós temos que começar a apreciar nosso próprio mérito. Procurem mulheres fortes para serem amigas, para serem aliadas, para aprenderem com elas, para serem inspiradas, para serem apoiadas e para serem instruídas.

Estou aqui mais porque quero agradecer do que para receber esse prêmio. Agradecer não apenas a todas as mulheres que me amaram e me apoiaram ao longo do caminho; vocês não têm ideia de quanto o apoio de vocês significa. Mas para aqueles que duvidam e para todos que me disseram que eu não poderia, que eu não iria e que eu não deveria, sua resistência me fez mais forte, me fez insistir ainda mais, me fez a lutadora que sou hoje. Me fez a mulher que sou hoje. Então, obrigada.”

1 Comment

  1. João Pedro Pontes
    agosto 17, 2018 at 3:17 am ·

    Mulherão da porra. Com certeza é uma grande referência e pioneira para o mundo em que vivemos hoje. Quando tu fala de sexismo e misoginia, só lembro de um video dela falando pro reporter se incomoda ele uma mulher se masturbar. Enfim, tá de parabéns pelo artigo! Já podemos marcar o segundo encontro? 😉